Rodovias mais seguras e modernas: o que muda com o PL 710/2024 no Sistema Nacional de Viação
O Brasil atravessa uma encruzilhada na gestão de sua infraestrutura viária. Com mais de 1,7 milhão de quilômetros de rodovias cadastradas, mas apenas cerca de 12% pavimentadas, a precariedade do sistema rodoviário impõe elevados custos econômicos e sociais. Estima-se que os acidentes em rodovias brasileiras resultem em perdas superiores a R$ 50 bilhões anuais, entre gastos públicos, indenizações e prejuízos às famílias afetadas. Paralelamente, a baixa qualidade da malha viária encarece a logística, reduz a competitividade do país e acentua desigualdades regionais.
Nesse contexto, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 710/2024, de autoria do Senador Marcos do Val, que propõe alterações na Lei nº 12.379/2011, responsável por instituir o Sistema Nacional de Viação (SNV). A proposta busca aperfeiçoar os mecanismos de gestão e segurança das rodovias brasileiras, sinalizando a necessidade de uma atualização normativa frente aos desafios contemporâneos.
O presente artigo examina os principais pontos do PL 710/2024, sua relevância para a política de infraestrutura rodoviária e os impactos potenciais na governança pública, na segurança viária e na competitividade econômica.
O Sistema Nacional de Viação e seus desafios
O Sistema Nacional de Viação (SNV), instituído em 2011, organiza a rede de transportes terrestre, aquaviária e aérea do país, definindo diretrizes gerais para o planejamento e integração da malha viária. No entanto, passados mais de dez anos de sua criação, o modelo demonstra relevantes fragilidades.
Em primeiro lugar, o SNV carece de instrumentos de monitoramento contínuo. Embora a lei preveja a articulação entre União, estados e municípios, a integração é parcial e frequentemente prejudicada pela ausência de indicadores técnicos uniformes. Isso dificulta a avaliação de desempenho da malha rodoviária e compromete o planejamento de longo prazo.
Outro problema diz respeito à segurança viária. Dados da Confederação Nacional do Transporte (CNT) apontam que a maior parte das rodovias brasileiras apresenta deficiências de sinalização, pavimentação e acostamento. Além de agravar a ocorrência de acidentes, essa realidade evidencia a incapacidade de vincular o planejamento rodoviário a metas claras de segurança e manutenção.
Por fim, há um desafio financeiro estrutural. A malha rodoviária nacional depende majoritariamente de recursos públicos, mas o orçamento da União tem se mostrado insuficiente para atender à expansão e conservação necessárias. As concessões e parcerias público-privadas (PPPs) avançaram em alguns trechos, mas ainda representam uma parcela minoritária diante da extensão da rede.
O que propõe o PL 710/2024
O Projeto de Lei nº 710/2024 se apresenta como tentativa de atualização normativa para responder a essas falhas. O texto propõe aperfeiçoar os mecanismos de gestão e segurança rodoviária, a partir de três eixos principais:
1. Gestão e governança: reforço dos instrumentos de planejamento, fiscalização e monitoramento da malha rodoviária, de modo a permitir maior controle sobre a execução das políticas públicas.
2. Segurança viária: inclusão de parâmetros técnicos de segurança como diretriz obrigatória no âmbito do SNV, com previsão de indicadores para aferição do desempenho das rodovias.
3. Integração federativa: fortalecimento da articulação entre União, estados e municípios na gestão das rodovias, evitando sobreposição de competências e ampliando a eficiência do sistema.
Embora ainda em fase inicial de tramitação, a proposição tem potencial de atualizar a Lei nº 12.379/2011, aproximando-a das demandas atuais de infraestrutura, competitividade e redução de riscos.
A relevância da proposta para a agenda de infraestrutura
A pertinência do PL 710/2024 pode ser analisada sob três dimensões:
a) Segurança viária
O aperfeiçoamento dos mecanismos de segurança viária tem impacto direto na redução de acidentes e, portanto, nos custos econômicos e sociais. O Brasil figura entre os países com maior índice de mortalidade no trânsito, e a atualização normativa pode estabelecer parâmetros objetivos para que novos investimentos em rodovias considerem padrões mínimos de segurança.
b) Competitividade logística
Rodovias mais seguras e bem geridas reduzem o chamado Custo Brasil, termo que sintetiza os entraves estruturais à competitividade da economia nacional. Ao prever maior integração federativa e padrões de gestão, o PL pode contribuir para melhorar a eficiência do transporte rodoviário, responsável por mais de 60% da movimentação de cargas no país.
c) Sinergia com outras agendas
O projeto também pode dialogar com pautas contemporâneas, como a infraestrutura verde e a resiliência climática. Uma gestão rodoviária mais moderna poderia, por exemplo, incluir parâmetros de eficiência energética, mitigação de emissões e adaptação a eventos climáticos extremos, em linha com discussões já presentes em projetos legislativos como o PL 420/2025, que institui o Programa Nacional de Infraestruturas Sustentáveis e Resilientes.
Pontos de atenção e riscos
Apesar do seu potencial, a proposição enfrenta alguns riscos de implementação.
Em primeiro lugar, a modernização normativa precisa ser acompanhada de fontes de financiamento estáveis. Sem orçamento compatível, o risco é que as alterações na lei permaneçam no plano declaratório, sem efeitos práticos.
Outro ponto crítico é a compatibilização com contratos de concessão e PPPs já em vigor. A introdução de novos parâmetros de gestão e segurança pode gerar conflitos com contratos celebrados sob regras anteriores, exigindo ajustes regulatórios cuidadosos.
Além disso, é indispensável avançar na integração federativa. A sobreposição de competências entre União, estados e municípios é um dos principais entraves à governança rodoviária, e o PL precisará prever mecanismos claros de coordenação para que as mudanças propostas sejam efetivas.
Conclusão
O PL 710/2024 representa uma oportunidade relevante de atualização da política de transporte rodoviário no Brasil. Ao propor o aperfeiçoamento dos mecanismos de gestão e segurança das rodovias, o projeto se alinha às demandas contemporâneas por infraestrutura eficiente, competitiva e sustentável.
Entretanto, o sucesso da proposta dependerá da sua regulamentação, da garantia de fontes de financiamento adequadas e da capacidade de harmonizar a nova legislação com contratos já existentes. Se bem implementado, o PL poderá reduzir custos sociais com acidentes, melhorar a competitividade logística e aproximar o Brasil de uma agenda de infraestrutura resiliente e moderna.
Ao enfrentar os desafios do Sistema Nacional de Viação, a proposta abre caminho para que o país avance na construção de um modelo rodoviário mais seguro, integrado e capaz de responder às exigências do século XXI.












