Resiliência e adaptação climática na infraestrutura urbana

3 de out. de 2025

Os eventos climáticos extremos vêm impondo um novo padrão de riscos às cidades brasileiras. Chuvas torrenciais, secas prolongadas, ondas de calor e elevação do nível do mar já impactam diretamente a infraestrutura urbana, expondo a fragilidade de sistemas de drenagem, saneamento, mobilidade e habitação. A crise climática deixou de ser um problema futuro para se tornar um elemento central do planejamento urbano contemporâneo.

 

Marco normativo e a lacuna de implementação

A Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (Lei nº 12.608/2012) prevê instrumentos de prevenção e mitigação de desastres. No entanto, sua implementação é marcada por falhas estruturais: insuficiência de recursos, baixa integração federativa e ausência de indicadores que permitam avaliar a efetividade das ações. O resultado é que municípios permanecem em grande parte reativos a tragédias climáticas, respondendo a desastres depois que eles ocorrem, em vez de adotar estratégias preventivas.

No campo regulatório, a aprovação do novo marco legal do saneamento básico (Lei nº 14.026/2020) abriu espaço para que contratos de concessão incluam cláusulas relacionadas à adaptação climática. Em tese, isso permitiria vincular investimentos em saneamento a medidas de resiliência, como sistemas de drenagem mais robustos ou reaproveitamento de águas pluviais. Contudo, tais cláusulas ainda não se tornaram prática recorrente em editais e contratos.

 

O custo da ausência de resiliência

A falta de integração da resiliência climática no planejamento urbano gera impactos financeiros expressivos. Obras públicas de alto custo, mas sem adaptação às novas realidades climáticas, tendem a ter vida útil reduzida, exigindo reparos e reconstruções recorrentes. Segundo o Banco Mundial, cada dólar investido em infraestrutura resiliente pode evitar até seis dólares em prejuízos futuros com desastres naturais.

No Brasil, o histórico recente comprova esse descompasso. Tragédias como as enchentes em Petrópolis (RJ), Recife (PE) e Belo Horizonte (MG) revelam que as cidades permanecem vulneráveis, em grande parte porque projetos de infraestrutura urbana não incorporaram critérios mínimos de resiliência e adaptação climática.

 

Experiências internacionais e a agenda urbana brasileira

Internacionalmente, alguns exemplos podem servir de referência. Rotterdam, na Holanda, tornou-se símbolo de infraestrutura resiliente ao adotar parques alagáveis, canais multifuncionais e telhados verdes como parte da sua política de enfrentamento às enchentes. Cingapura também avançou na integração de soluções baseadas na natureza para controlar inundações e reduzir a temperatura urbana.

No Brasil, experiências pontuais existem, como projetos de revitalização urbana com infraestrutura verde em Curitiba e Recife, mas permanecem isoladas e sem escala nacional. A ausência de integração entre políticas urbanas, ambientais, de saneamento e de defesa civil compromete a consistência dos resultados.

 

Financiamento e o papel da regulação

Um dos grandes entraves para a adaptação climática é a falta de mecanismos de financiamento estáveis. As Parcerias Público-Privadas (PPPs) e concessões de saneamento poderiam incluir indicadores climáticos como condicionantes de remuneração, estimulando investimentos em soluções resilientes. Da mesma forma, instrumentos financeiros como green bonds ou fundos climáticos internacionais podem ser mobilizados, desde que haja segurança jurídica e métricas confiáveis de impacto.

Nesse sentido, há espaço para que órgãos reguladores como a ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico) e o TCU (Tribunal de Contas da União) avancem no detalhamento de normas e parâmetros para vincular contratos de infraestrutura a metas de adaptação climática.

 

Caminhos para cidades resilientes

O avanço da agenda de resiliência urbana no Brasil passa pela revisão de normas urbanísticas, incorporando variáveis climáticas em planos diretores e códigos de obras. Essa atualização é essencial para que o crescimento urbano esteja alinhado à adaptação climática. Também é necessário investir em infraestrutura verde, como parques alagáveis, telhados verdes e pavimentos permeáveis, que ajudam a reduzir enchentes e a amenizar ilhas de calor.

Outro ponto central é a integração federativa, com maior coordenação entre União, estados e municípios na destinação de recursos orçamentários e fundos setoriais. A agenda ainda exige mecanismos de financiamento climático, como green bonds e cláusulas em concessões e PPPs que incluam metas de resiliência. Por fim, é indispensável fortalecer a capacitação institucional, garantindo que gestores locais tenham preparo técnico para planejar e executar soluções eficazes.

 

Conclusão: oportunidade ou risco?

As cidades brasileiras estão diante de um ponto de inflexão. Ignorar a agenda climática significará multiplicar custos, perdas humanas e degradação ambiental. Por outro lado, adotar uma perspectiva de infraestrutura resiliente pode reduzir gastos públicos, atrair investimentos internacionais e melhorar a qualidade de vida urbana.

A convergência entre planejamento urbano, regulação, inovação tecnológica e governança climática é urgente. O Brasil precisa deixar de ser um país que reage a desastres para se tornar um país que previne riscos e planeja o futuro. A resiliência urbana não é mais uma opção — é uma condição de sobrevivência.

 

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